quarta-feira, 16 de maio de 2012

À Sua Semelhança...



Tenho observado entre nossos devotos um quê de dificuldade em relação aos amigos, familiares na aceitação do devoteísmo principalmente quando eles são oriundos de famílias religiosas e pensando nisso foi que resolvi escrever um pouquinho a respeito...

Para iniciar meu texto, trago o pensamento e a imagem que ainda vêmos em contos de fadas, filmes e principalmente a vigência atual pela busca de um corpo perfeito. O perfeito para o ser humano assemelha-se ao belo ao bom, à luz. As anomalias, o
disforme, o assimétrico, os aleijões são tidos em contrapartida como feio, escuro, mau.

Quando nos vêmos diante do antigo testamento, em Gênesis, na criação do mundo, e do homem, ao meio ao caos, segundo a Bíblia, se faz a luz, e assim posteriormente teremos a criação de todas as coisas e por fim o Homem à semelhança de Deus.
Ótimo, cria-se um homem perfeito, belo, simétrico, único e da perfeição dele surge Eva, pobre Eva... Enfim, todo o mal foi relegado ao feio, ao assimétrico, ao torto da primícia que somos perfeitos, bons, se formos semelhantes à Deus.

Na mitologia grega nos deparamos com Hefesto o Deus deficiente que não aceito no Olimpo é exilado às entranhas da terra onde exercerá uma atividade não exercida pelos deuses. Hefesto é um mito e como tal nos remete à origem, às raízes da sociedade, dos costumes, das leis, dos medos e quiçá do nosso velho conhecido o preconceito.
Oras, tudo que possa ser diferente de Deus ou dos Deuses é imperfeito, invoca o pecado, o profano, o castigo.

A deficiência passa a ser excludente. A humanidade adota o perfeito em nome de Deus, e assim seguem as várias vertentes religiosas.
E isso se torna tão forte e pungente que ainda hoje o deficiente é visto como um castigo, um meio de provação para si mesmo ou para aqueles que têm contato com sua realidade.

Sexo? O que é sexo para deficientes? Impossível serem desejados, dirão alguns, são pessoas indesejáveis, profanas, não bem quistas, tortas, feias. Ou não dirão, mas estará em seus inconscientes gravado pela história coercitiva da humanidade, seus mitos, sua religiosidade, suas crenças.
E por mais que neguem, sugiram outras teorias a respeito do preconceito quanto aos desejos tortos, não vejo outra explicação se não a própria história da deficiência dentro da religião e da sociedade.

Estão intrinsicamente ligados deficiência e devoteísmo quando o contexto é a negação da sexualidade do deficiente, do desejo do deficiente. Ao deficiente introjeta-se a imagem do pecado, do castigo, da ferramenta, do sofrimento, sem direito ao prazer, ao sexo pelo sexo, e nem mesmo para procriação. Aos devotees introjeta-se a imagem daquele que ousa a desejar o indesejável, ao que nega a perfeição de Deus para seu deleite, para seu êxtase.

Deixemos de lado todas as conseqüências, todas as relações devotees/deficientes, voltemos ao início, voltemos ao nosso Gênesis e veremos que o estranhamento pela atração que devotees sentem por nós deficientes está relacionado ao nosso próprio estranhamento, à nossa ignorância quanto à outras deficiências, à nossa intolerância com o que nós é também diferente. Porque alguns de nós também buscam no outro a semelhança com o perfeito, com o simétrico, com Vênus, com Adão, com Eva, com Eros, e não a semelhança com Hefesto.

E quem somos nós para condenarmos o torto, o imperfeito, a anomalia, o aleijão?
Se a religião, a sociedade impõem seus milhares de anos de excludencia do diferente e estamos buscando em outros pontos sermos aceitos, por que a dificuldade de tantos deficientes aceitarem que assim como nós nascemos ou nos tornamos diferentes existem pessoas que não são portadoras de nenhuma característica física torta, mas são portadoras de desejos diferentes, de desejos que não se encaixam na convencionalidade das religiões e sociedade? Se muitos deficientes tem essa dificuldade em aceitar, em assimilar, em deixar o preconceito de lado, como outras pessoas aceitarão?

Por outro prisma, os próprios devotees não se aceitam, caem nas mesmas armadilhas dos estereótipos, dos paradigmas da perfeição coercitiva da maioria. E preferem apegarem-se à ela, mesmo não concordando.

O que fazer? Comecei esse texto falando das famílias, e termino falando do indivíduo, da mudança de dentro pra fora, do um para dois, três, quatro ou mais... Para que tanto os deficientes sejam aceitos quanto os devotees, cada uma na sua maneira torta de ser.

A semelhança com Deus? Não sei, não... Não conheço um Deus em carne, osso, sangue, corpo e face, portanto difícil dizer qual de nós se parece com ele fisicamente.

Regina

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