sábado, 20 de setembro de 2014

O Velho Devoteísmo e o Mar... Das Fantasias, das Ilusões...



Quando pensei nesse texto, pensei em dar o título de O Velho Jason e o Mar do Devoteísmo.  Mas seria ainda que inversamente um presente para Jason. Para quem não sabe, Jason é um devotee bem conhecido em nosso universo. Mas, não, ele não merece tanto.

Há algumas semanas, corrigindo uma falha minha, tive a oportunidade de ler O Velho e o Mar de Ernest Hemingway. Bem se diz que quando escrevemos um livro, um texto, um poema, a partir do momento que outros olhos os leem não são mais nossos, não são nossas as únicas imagens e impressões que eles passam. Nasce assim, entre o escritor e suas escritas, uma nova entidade moldada por uma outra pessoa, o leitor.

Ao término do Velho e o Mar, veio-me a sensação de ser o próprio peixe perdido em infinitas águas salgadas. Perdido e posteriormente preso, morto e vilipendiado aos poucos.

Do começo ao fim do livro, torci para que o pobre peixe se livrasse do intento do velho pescador. Não somente de pescá-lo, mas de ostentá-lo. Pensei que como desfecho a consciência e o respeito falariam mais alto e o bom Santiago, o pescador, libertaria sua presa, seu peixe. Mas não estaria de acordo com a natureza humana. Não caberia ao escritor mudá-la, bem sei.

Seguiu o pescador sob sol e lua, tramando sua vitória, abatendo a criatura desejada e atrelando-a ao seu barco para conduzi-la ao que seria o ápice da sua vitória e ostentá-la perante sua comunidade e amigos. 

E a que preço Santiago conduziu o peixe ao seu reduto? A que preço Jason e outros devotees vêm alimentando seu devoteísmo? Será mesmo que é tudo em nome do devoteísmo?  Será mesmo que é tudo em nome de um objetivo, de um desejo? Ou seria a velha e conhecida vaidade?

Passamos tanto tempo em mares adversos, em mares inimigos e não percebemos que não são os mares, não são as adversidades, não são aqueles que às vezes erroneamente consideramos nossos inimigos os responsáveis por nossos erros. Somos nós mesmos.

Não havia entre pescador e pesca, pescador e mar, pescador e peixe nenhuma inimizade, até que a linha limite fosse  manipulada e ultrapassada. Ainda que o pescador tenha se ferido, ainda que tenha passado fome e sede, ainda que admirasse sua presa, o peixe, ainda assim em nenhum momento considerou a hipótese de libertar-se do fardo imposto por si mesmo.

E eu pergunto a Jason: Vale a pena ter atrelado a você um peixe que vem sendo arrastado, esfarelado, mordido, vilipendiado? Vale a pena ter presa a você, uma situação que o desgasta, o testa, coloca em dúvida seu caráter e  desconstrói seus ideais enquanto socialista para legitimar seu devoteísmo? 

Se Jason não leu o livro, acho que não. Seria bom ler. Ao fim do romance, como toda relação doentia, como toda relação unilateral onde um sobrepõe-se ao outro, onde um mastiga e engole o espaço do outro o que resta da criatura caçada, pescada, vilipendiada nesse processo, é um esqueleto, que não servirá nem para alimentar seu algoz e nem sua vaidade. Não haverá o que comemorar. Pois o viço, o brilho, a identidade, a essência desse peixe se perderá no mar antes mesmo que possa registrar e ostentar sua vitória.