segunda-feira, 30 de abril de 2012

A Deficiência, o Devoteísmo e a Invisibilidade...




 Ao fazer algumas pesquisas no google, oráculo virtual, me deparei com uma realidade assustadora, nos sites em português, pouquíssimos artigos sobre a sexualidade do deficiente e o devoteísmo. Mas com um pouco de atenção consegui algumas pesquisas promissoras.

Na primeira pesquisa encontrei alguns pontos que até agora já conhecemos, a sexualidade dos lesados, a reiteração que deficientes podem ter prazer mesmo com lesões que impossibilitem nos deficientes a ereção e nas mulheres a sensibilidade.
Mas o ponto que me chamou a atenção e que talvez explique ou nos dê uma visão mais abrangente da sexualidade do deficiente são as campanhas contra DST (doenças sexualmente transmitidas) Gravidez indesejada que passam à margem do deficiente.
O que me leva a pensar quanto o devoteísmo pode parecer estranho, bizarro aos olhos daqueles que nos condenam à invisibilidade dentro da sociedade.

Campanhas preventivas visando também os deficientes seriam uma forma de nos incluir dentro da sociedade, porém, elas não acontecem, infelizmente. Obviamente muitos pensarão que ao ver propagandas, palestras, cartazes enfim qualquer coisa relacionada ao sexo o deficiente irá assimilar, concordo, não somos desprovidos de discernimento, mesmo algumas deficiências consideradas por ignorância de alguns como limitadores da capacidade intelectual, sabemos quem não afetam nosso raciocínio.

Mas o problema está em como somos vistos e como nossas vozes se calam diante de algumas realidades. Oras, se não somos vistos como pessoas ativas sexualmente, àqueles que nos cercam de longe ou de perto tem a idéia errônea que deficiente não terão relações sexuais e nem desejos, não terão portanto que se cuidar, ser responsável pelo seu corpo tanto para o prazer quanto para a responsabilidade de se ter esse prazer.
Além do enorme fardo religioso que algumas vezes nos impõe supostamente como castigo, aberração, pedra de tropeço, ou até mesmo anjos, ainda temos o fardo social da invisibilidade. E sendo assim, o devoteísmo passa a ser para muitos um abuso sexual e não um fetiche ou uma preferência.

Eu já fiz um outro texto onde conceituava alguns termos do devoteísmo, devotees, pretenders e wannabes, mas ele se perdeu. Portanto volto hoje a tentar conceituar esses termos diante do que já foi discutido e lido por nós.

Devotees: Pessoas heterossexuais, homossexuais ou bissexuais que sentem atração por deficientes físicos, exercendo ou não essa atração. Em alguns casos os devotees não chegam a manter relações sexuais com os deficientes por alguns motivos, um deles ser um devotee cuidador que visa cuidar, estar por perto sem no entanto vivenciar essa devoção sexualmente. Mas como não é minha intenção nesse texto falar das outras nuances do devoteísmo, deixo para outra hora falar delas e sua hierarquia.

Pretenders: Pessoas heterossexuais, homossexuais ou bissexuais que sentem prazer em ter contato com os aparatos dos deficientes, cadeira de rodas, muletas, próteses, órteses ou até mesmo a imobilidade e impossibilidade do deficiente. Nesses casos, pretender são comumente confundidos com wannabes que ainda não comentei, mas o farei a seguir. Pretenders visam o prazer fingindo ser um deficiente, utilizando desses aparatos ou se imobilizando com faixas algumas vezes e inclusive em lugares públicos. Em alguns casos o deficiente se sente preterido por seus aparatos.

E finalmente, Wannabes: São considerados wannabes pessoas que de fato tentaram uma auto mutilação e estão intrinsecamente ligados à amputação. Existe nesses comportamentos uma inadequação com o corpo subjetivo e o corpo objetivo. A incidência é quase exclusivamente masculina e a aversão quase sempre pelos membros inferiores. O quê leva essas pessoas a desejarem imensamente serem amputados de fato. E em alguns casos a provocarem essas amputações.

Abaixo um trecho do Trabalho feito por José Fernando Pontes Soares Neto sobre a Saúde Modificada onde ele traz o depoimento de um Wannabe, trouxe-o pra cá por saber da dificuldade em conseguir um artigo, um testemunho que nos ajude a elucidar o misterioso universo dos desejos tortos.

"Um wanabbe é alguém que, de tanto admirar e ser devotado (devotee) por pessoas
amputadas, deseja tornar-se igual a elas. Um wanabbe é também alguém que, por já se sentir amputado na imagem corporal que possui de si mesmo, deseja realizar a cirurgia que corrigirá o “erro” da natureza, restabelecendo sua integridade física. O autor do depoimento acredita que o tecido social contemporâneo é mais permeável à manifestação de diferenças, mesmo as consideradas extremas e até mesmo
ameaçadoras para os padrões sociais. Argumenta que no século 21 não há mais espaço para a condenação de qualquer diferença “não socialmente padrão”, especialmente a que dá margem à interpretações do tipo “maldição de Deus”. A primeira questão diz respeito, portanto, à possibilidade de expressão pública de uma questão privada que pode ser estranha e perturbadora para a maioria das pessoas.

Jean-Philippe Michel foi o primeiro francês a expor publicamente este tipo de
idiossincrasia e celebra o advento da formação de comunidades para discussão e troca de experiências entre semelhantes, surgidas inicialmente nos Estados Unidos e difundidas pela eficiência da realidade virtual. Expressa claramente o prazer e o desejo de não mais esconder sua “diferença”, após 30 anos de uma vida “rica e movimentada”, que descreve como permeada de dores mas também de muitas alegrias. Faz referência explícita às “censuras e agressões” que já enfrentou no passado por assumir sua “busca”, mesmo não tendo a intenção de incomodar ou chocar ninguém, responsabilizando abertamente o “pensamento único” do cânone “bombardeado pela mídia”, que cria uma idéia de beleza relacionada a “critérios de uma normalidade” específica:

---- “Não quero mais me sentir culpado desta busca estranha, desta pesquisa exclusiva e surpreendente por uma companhia, uma cúmplice de vida que seja amputada. Hoje sei que minhas intenções não são doentes, nem perversas, nem viciosas, nem sádicas, ainda menos ‘demoníacas’. Eu não tenho nenhum fantasma, mesmo recalcado, de potência, possessão, controle ou dominação.”------

Uma vez que não faz mais sentido condenar uma vivência por ser estranha aos hábitos culturais tradicionais, do mesmo modo, não cabe buscar compulsoriamente uma explicação psicológica do fato. Ou seja, recusa-se a interpretação corriqueira referida à vida mental do indivíduo, onde se poderia encontrar uma causalidade determinável para justificar desejos e comportamentos. Apesar de expor eventos de uma infância difícil trabalhados em sua análise pessoal, Michel não os considera como causa única ou “fonte” de sua atração muito precoce pelas pessoas amputadas. “Eles aparecem mais como reveladores ou catalisadores”. Diz ter observado que muitas pessoas que desejam ser amputadas também tiveram uma infância muito dura, foram crianças sobre as quais pesaram muitas exigências. Mas não acredita que se pode reduzir o desejo de se amputado à explicação psicológica de que se tornar amputado é se livrar das exigências e atrair uma atenção que jamais tiveram.

As explicações possíveis e desejáveis para o desejo de tornar-se amputado são provavelmente múltiplas, complexas, abrangendo domínios da vida que não são completamente acessíveis. Quando fala dos wanabee - aqueles
que querem se tornar iguais ao objeto de seu desejo – Michel opina que ao invés de ser o último grau do devotismo, na verdade pode tratar-se do início ou fonte do mesmo. Ou seja, na base do devotismo pelas pessoas com handicap estaria o fato de “nascer e vir ao mundo com uma tal sensação: de sentir apenas uma parte de seu corpo, de percebê-la de maneira diferente do que é vista”.

Para ele o fato dos amputados congênitos possuírem uma imagem completa de seu corpo mesmo com a falta de membros, “um psiquismo inteiro num corpo parcial”, faz com que ele acredite também na existência do contrário: “um psiquismo parcial num corpo inteiro”, a sensação de ser amputado sem sê-lo fisicamente. A “modificação corporal definitiva”, efetuada por alguns wanabee, seria possuir finalmente o corpo que eles deveriam ter, tornar-se o que eles já têm a certeza de ser.

Assim, as explicações psicológicas mais triviais ligadas à traumas durante o
desenvolvimento vital infantil são substituídas pela suposição de mecanismos mais
complexos, relacionados a características inatas da projeção da imagem corporal na vida subjetiva. Mas essa substituição não é feita elemento a elemento. Ou seja, Michel não busca explicar qual seria a origem de um “psiquismo parcial”. E considera outras causalidades, sem atribuir estatuto superior a nenhuma delas. Pergunta-se por exemplo, se este “desejo de automutilação” poderia ser uma “manifestação extrema” de um “desejo de afirmar cada vez,mais sua diferença pelo corpo ou pela aparência”, como ocorre nas tatuagens, piercings, escarificações e implantes:

----“Àqueles que me tratariam de louco, eu diria: eu não sou louco, porque eu sei que eu o sou... Àqueles que me tratariam de doente: conhecem os senhores esta doença? Seu nome? E a vossa? Àqueles que me tratariam de sádico perverso e doentio, eu ofereceria um belo crucifixo para que eles possam exorcizar seus próprios desvios e outras pulsões recalcadas, que são bem freqüentemente piores que as perversidades que eles insistem em perseguir e condenar nos outros... Où est la paille, où est la poutre? ... Eu prefiro esse tipo de mulher, como outros preferem as louras ou morenas, as grandes ou as pequenas.”---- 
É isso, esses são os trechos que achei interessantíssimos, até porque casam-se perfeitamente com algumas das teorias que já foram expostas em outros sites por mim e outras pessoas.
E quanto mais eu penso, mas pesquiso o leque do devoteísmo abre-se de uma forma fascinante, notem quem Wannabes e Pretenders e Devotees têm a devoção pela deficiência, podendo ser devotees e wannabes ao mesmo tempo, ou devotees e pretenders, ou enlaçar as três condições.

E diante de tanta força, de tanta intensidade, ainda, ainda deficientes estão invisíveis mesmo nesses artigos onde são pouco citados, pouco mencionados... São o objeto do desejo, o passivo, aquele que se cala.
Não deseja... Não têm vida sexual, não sente... Não existe.
E eu pergunto, se eles os devotees estão sendo vistos, nós não seremos?
Seremos sim, através das informações, de nossos depoimentos de nossos relatos, não apenas como números em pesquisas.

E por isso tenho pensado em um Blog onde possa colocar nossos artigos, nossos textos para quem acesse o Google, ou outro site de buscas encontre mais informações não somente sobre o devoteísmo mas sobre nós deficientes e nossa sexualidade dentro do universo dos Desejos Tortos.
Deixo aqui minha sugestão e pedido pra que eu possa ao viabilizar esse Blog, possa usar os textos de Libertino, Stella e todos que assim desejarem e permitirem.

Regina

Um comentário:

marco disse...

Muito bom, bjks.